•• ar[t]ch urb IV••
coletivo indígena Mahku
Ando ausente, mas não parada — 2023 tem sido um caminho farto de andanças, aprendizados e referências. Uma delas está nesta nota da série ar[t]ch urb, na qual estabeleço a aproximação da arquitetura e do urbanismo com as artes visuais por meio do coletivo indígena Mahku.
MAHKU (Movimento dos Artistas Huni Kuin) é um coletivo de artistas indígenas da etnia Huni Kuin, também conhecidos como Kaxinawá, originário da Aldeia Chico Curumim, no Alto do Rio Jordão, Acre e fronteira com o Peru. Ibã Huni Kuin, mestre dos conhecimentos do povo Huni Kuin, há alguns se dedica a pesquisar e recriar artisticamente os cantos visionários do nixi pae, a ayahuasca. Em 2009, quando levou parte de sua pesquisa para a Universidade Federal do Acre, passou a experimentar mais e em diferentes linguagens com outros artistas, o que resultou no coletivo que desde 2012 estabelece seu nome/presença no cenário embranquecido das artes, sobretudo das artes visuais.
Em 2017 o Coletivo participou da exposição “Avenida Paulista”, em comemoração aos 70 anos do MASP, referência arquitetônica localizada nesta avenida que convencionaram dizer ser “o coração de São Paulo”. Acredito que todas as pessoas que visitam SP obrigatoriamente passam pelo Museu e querendo ou não, difícil não se impressionar com a genialidade de Lina Bo Bardi (e equipe) ao demarcar a leveza do traço na suspensão densa do concreto e se assombrar com o vaivém da avenida.
Não foi diferente para os Mahku. O coletivo realizou uma série de obras para a exposição, que foi inspirada nas percepções do entorno do Museu, durante a primeira visita dos artistas à cidade de São Paulo e a dita Avenida, em 2016.
Um ligeiro salto no tempo, em março de 2023 pude conferir a abertura da exposição MAHKU: MIRAÇÕES, no MASP (Museu de Arte de São Paulo), que marcou os dez anos do surgimento oficial do grupo. E como a minha percepção geralmente é instantânea para as relações espaciais, em meio a imersão multicolorida de cosmos, entendimentos de mundo e práticas contidas na exposição, algumas obras — no caso, as que também compuseram a exposição em 2017, me chamaram a atenção para esse compartilhamento:
Estabelecendo, portanto, dois pontos de diálogo:
- Diferente de grande parte das outras obras do coletivo nas quais as protagonistas eram as materialidades — expressadas por corpos humanos, fauna e flora, e as agências invisíveis dos territórios indígenas, a série da Avenida Paulista tem pouca ou nenhuma representação de vida humana e animal, a não ser pela funcionalidade supostamente intrínseca dos corpos que conduzem os automóveis ou adentram os prédios.
- Além disso, as únicas circularidades, fator que importante que induz movimento, renovação para inúmeras cosmologias não brancas, estão nos verdes e sutilmente no formato dos prédios. O que também é a realidade, claro. Mas isso me fez pensar que as perspectivas apresentadas pelo coletivo podem sugerir também a densidade sufocante e rigidez na castração de espontaneidade em grandes centros urbanos.
Bom, impressões colocadas enquanto não coincidentemente nos últimos meses urbanistas, população e outros profissionais discutem fortemente os impactos negativos da revisão do Plano Diretor de São Paulo. Dentre alguns, destaco a não-novidade dessa revisão do plano diretor embranquecer ainda mais a cidade, prevalecer a cultura carrocêntrica e impor quem pode ou não morar em determinadas áreas. Em recente estudo, pesquisadores do LabCidade reforçam que a verticalização na cidade de São Paulo aparece muitas vezes associada a segregação racial, neste caso produzida pelo Estado como forma de distanciar os territórios populares das áreas ricas — e brancas — da cidade, e não é diferente agora.
Penso que aquela pergunta “cidade pra quem?” já não vale mais, pois a gente sabe há muito tempo a reposta, só não temos todos os mecanismos para jogar contra a máquina mortífera que é o mercado imobiliário, enquanto a mercadoria “cidade” e todos os tipos de vida que a compõe sofres as imensuráveis e agressivas transformações. São fios finos, porém fortes que conectam mirações à essa discussão. A batalha é difícil na subversão desse contexto, as demandas extensas e importante que nunca deixemos de considerar a discussão do invisível na pauta urbana, pois também é uma operação de cidade, afinal ar é vida, mirações são diagnósticos socioespaciais e tecnologias para um possível futuro habitável.
Referências
Exposição MAHKU: MIRAÇÕES. MASP, 2023.
Exposição Avenida Paulista. MASP, 2017.
Facebook coletivo Mahku.
A verticalização de mercado em São Paulo é branca, por LabCidade FAUUSP, 2023.