Somos a própria agulha
No dia 29 de setembro de 2018 mais uma linha se fez emaranhada em minha vida. Durante a segunda temporada do projeto Desmontagem, realizado pelo Raiz Forte, propus um diálogo a partir de “Entre rasgos e costuras- o que faz seguir”, que é um desdobramento da pesquisa que venho desenvolvendo como mestranda na geografia e foi pensada na intenção de estar em um espaço no qual eu pudesse dar mais um passo na (re)construção do ser mulher negra urbanista, pesquisadora e transdisciplinar.
Em meio a desmontagens e caminhos que vêm sendo trabalhados internamente há um bom tempo. É notável que me reconhecer enquanto artista, aliar nessa caminhada as diversas linguagens que se cruzam, assim como conseguir abrir um pouco dos meus processos, não foi tarefa fácil.
E muitas(os) de nós ainda nos perguntamos se de fato pertencemos a cidade. É urgente pensar os territórios a partir do racismo estrutural que dispõe o modo excludente que aflige tantos corpos e corpas. Cada vez mais me disponho a pensá-los de forma que consigam transformar seus habitantes em reais agentes urbanos, com outras narrativas. Se tem um lugar que aqueles que historicamente violentados, tem a oportunidade de fazer sua história, é a cidade. Vivências, experiências, espaços públicos, construções, fronteiras, etc, tudo formam tecidos.
Somos parte de muitos territórios. O desmontagem me mostrou — e potencializou- que eu sou capaz de me reconstruir e expandir meus trabalhos artísticos para além territórios.
Alinhavando trajetos, ao partir para o segundo momento do dia, me motivou ver o quanto as experiências de cada participante acerca de motivações sobre a cidade me leva à lugares cada vez mais potentes. Além disso tudo, a possibilidade de estar em um território, o MAES, que historicamente suprimiu nossas presenças, e com um certeiro e indispensável remonte da artista plástica Rosana Paulino, reforçaram esse caminhar. Jamais me esquecerei!
Quando escrevo sobre rasgos e costuras, quero falar de coisas que levam à outras narrativas. Coisas que não subestimam quão dolorosa a presença negra pode ser, mas que também não ignorasse o quanto esse partilha pode nos dar forças para seguir em frente. Do urbano à pele preta, da arquitetura às artes visuais. Espero que cada participante tenha costurado mais um ponto nessa caminhada.
E por fim, neste momento recolho meus retalhos em constante re-des-montagem, lembrando que em dado momento me disseram: “você é a própria agulha, Malu!”. E em tempos sombrios e conturbados, reafirmo que nós — e nossa existência e arte — somos a própria agulha.
Seguimos.